Jair Rodrigues

Trilha sonora:

Toda a poesia-e a canção é uma poesia ajudada-reflete o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste. Fernando Pessoa.

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Eu estava brigando com o sinal da VIVO (Modem 4G pago todo dia 25) quando Jair Rodrigues morreu. Às seis horas, com a coluna ardendo, fui tirar uma soneca. Pela manhã, prefiro ligar o Rádio para ouvir música e noticia. Por Jair passei o dia 9 com a TV ligada.

Fiquei surpreso com o noticiário da TV Globo. Por isso mesmo é que parabenizo William Bonner do JN e a dupla dinâmica do Jornal HOJE. Pelo demonstrado sentimento com a morte de Jair Rodrigues.

Valorizar como fazem com os craques do futebol.

Que bom se a TV Globo iniciasse uma era de relacionamento, divulgação, promoção, dos valores da nossa música. Em horário nobre. Como nobres são os que criam, produzem, tocam e cantam o melhor da música brasileira. Desejo extensivo aos sites de busca, pesquisa. O Google/Brasil precisa, com urgência, investir na contratação de historiadores com sólida formação cultural. Pesquisadores de comprovada bagagem das várias facetas nacionais.

imagesChico BOm diaSugiro o Chico, âncora do Bom Dia Brasil, para ser o “Galvão Bueno” da TV Globo Musical. Em parceria com Maria Beltrão.

A mais completa cobertura foi da TV Record:

O velório na Assembleia Legislativa. A última viagem no caminhão do Corpo de Bombeiros. O enterro no cemitério do Morumbi. E os muitos depoimentos de cantores, cantoras, artistas, jornalistas, populares.

Os arquivos da TV Record têm preciosidades que o ministério da Cultura/Educação/Comunicação Social/ já deveriam ter transformado em relíquia do Patrimônio Nacional. Foi na TV Record que Jair Rodrigues saiu do anonimato para a fama merecida.

Conheci Jair Rodrigues em Moscou

Descobrir é a palavra certa. Conhecê-lo mesmo, em carne e osso, foi em Nova York. Em 1962, ele gravou Marechal da Vitória e Brasil sensacional, cantando a conquista do bi na Copa do Mundo no Chile. Quando em 1964 ele lançou “Vou de samba com você” e “Deixa isso pra lá”, seu sucesso com voz e mãos, eu estava no primeiro ano da faculdade de Direito Internacional na universidade Patrice Lumumba.

Não lembro dia e hora. Mas, com certeza, a descoberta veio por Miriam, filha de Sidney, companheira do mato-grossense embaixador Henrique Rodrigues Valle. Ela cuidava com carinho do pequeno acervo de livros e discos da nossa embaixada na Ulitza Gertzena.

Foi amor à primeira música.

Moscou

E não poderia ser diferente para um estudante do tempo da lamparina, do acetato, Rádio Nacional, samba e carnaval. Eu havia saído de Brasília representando a UESB na delegação brasileira ao Festival da Amizade e Paz em Helsinki, Finlândia. Para regressar em 20 dias.

E não voltei. Literalmente, sem lenço e sem documento. Com um terno de poliéster, novidade da DUCAL, pago por Trajano Ribeiro da UME/Rio de Janeiro, anos depois presidente da RIOTUR.

De Helsinki fui a Moscou tentar uma vaga na universidade da Amizade entre os Povos. Com algodão tampando as cáries. Magérrimo de fome crônica. Um brasileiro subdesenvolvido. Um rapaz latino americano. Já com o bacilo da tuberculose que aflorou com a brutal mudança climática em uma TB linfática. Curada com doses cavalares de antibiótico num hospital em Moscou. Em sanatório às margens do mar Negro, na Criméia.

Conto isso para que a rapaziada, principalmente, à embalada por sonhos bolivarianos, com risco de ficarem papudos por delírios e malandragens “socialistas”, mas, com acesso à modernidade tecnológica criada pelos “malditos capitalistas do Norte”, sinta ou capte um pouco como era ter saudades do Brasil. Sem celular. Sem internet. Na foto, estudantes na embaixada do Brasil, Moscou.

A música é a primeira na lista das saudades.

E Jair Rodrigues desde o seu primeiro LP ate o dia de sua morte, para nós no exterior, foi um “matador de saudades”. Nas noites geladas de Moscou. Sem amigos. Pois cheguei sozinho, desgarrado da turma aprovada em concurso, escolhida, indicada. Eu ouvia e repetia e repetia e repetia “Vem chegando a madrugada, oi, o sereno vem caindo, cai,cai, sereno devagar, que o meu amor está dormindo…”. Era como se quisesse trocar a neve pelo sereno da rosa vermelha.

Já contei como tentei, com Jair Rodrigues, brasilisar a mexicana Marta Maldonado. Depois das aulas eu ia para o apejijitie (dormitório) das estudantes.  Vinho da Moldávia. Ou vodka robochi das brabas. Garrafa escura sem rótulo. Pão preto com kalbasá. E de vez em quando, caviar. E num toca disco verde, de som horrível, Jair Rodrigues sem parar. Ichio, ichio raz. Tentando fazê-la sentir samba e carnaval.

ÍndiceAnos depois, com a conquista do Tri na Copa do Mundo, consegui contatar Marta Maldonado em Baja California, México. Para matar saudades do ouvindo Jair Rodrigues sem parar.

Em compensação, com Marta aprendi mais da música mexicana que eu conhecia pelos filmes da Pelmex com Maria Antonieta Pons, Libertad Lamarque, Tonha La Negra, Trio Los Panchos, Nat King Cole.

Descobriram a alegria de Jair Rodrigues.

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De repente, “descobriram” a alegria do cantor de Disparada, Tristeza, Pega no ganzê, pega no ganzá, Sua majestade o Sabiá. Foi da alegria em e de Jair Rodrigues que mais se falou na cobertura de sua morte, velório, enterro. É bom. Muito bom destacar essa qualidade dele. E ouvir Jair Rodrigues Alegria de um povo. E  sorriso do Jair.

Década de grosseria oficial.

De gente soturna, nebulosa, sombria, rancorosa, revanchista, taciturna, baixo astral, sorumbática, mentirosa, no comando do país. Jair Rodrigues alegre, divertido, animado, alto astral, é um bálsamo para a doença do esquerdismo infantil que contamina o povo. Um oásis nesse deserto de salteadores do dinheiro público. De Ali Babá e seus 39 ladrões. De passagens secretas. Passativas. Pasadenas. De muito dinheiro guardado nos “paraísos socialistas” que substituem os paraísos fiscais.

Por pouco não me torno macambuzio.

Sectário. Brumoso. Dono da verdade. Ensinaram-me que comunista que é comunista não bebe Coca-Cola. Não toma whisky. Não fuma Marlboro. Não come hamburger. Não ouve nem dança rock. Não é devasso na cama. Sempre “sério”. Pouco riso. Homem de aço. Como o Guia Maior. Em assim sendo fiz o caminho inverso. Sai do céu direto para o inferno.

Mordi a maçã.

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Nem me deram chance de uma passadenazinha pelo purgatório. Fui o primeiro formando a regressar via Nova York. Todos saiam de Moscou para o Brasil via Paris. Ai aconteceu. Mordi a maçã. Me dei bem no “inferno”. Tive muitos “quinze minutos de fama” na Big Apple.

Para “amigos da esquerda”, e ex-colegas, virei um renegado: “da capital do comunismo para a capital do capitalismo. E ainda por cima trabalhar no Rockefeller Center, símbolo do imperialismo. Tem que ser agente da CIA (ou da KGB)”. 007 merreca!

Nunca o Brasil precisou tanto da alegria dos Jair Rodrigues

Como nesse momento de embrutecimento. De baixa qualidade institucional. De incompetência na gestão do governo. De feiura nas relações pessoais. De covardia eleitoral no enfretamento da criminalidade. Da barbárie galopante. Precisamos com urgência, urgentíssima, de um revival do brasileiro bem humorado, animado, alegre.

Em sua morte Jair Rodrigues despertou a necessidade de nos engajarmos nessa volta por cima. E a TV, concessão pública, é o principal instrumento para a orquestração coletiva do bem. O momento é propicio.

Uma Rua chamada Brasil

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Não foi fácil. Comi o pão que o Diabo amassou. E, mais uma vez, sem lenço e sem documento. Com um dente de platina. Desembarquei em Nova York. São tantas, primeira vez, em minha vida, desde aquele voo Moscou/Nova York, que adoro lembra-las. Escrever sobre elas. E, às vezes, chorar, como agora.

Em Moscou, seria inimaginável, nem com haxixe do Afeganistão, pensar, “viajar”, que um dia convidaria Jair Rodrigues para a sua primeira viagem aos EE. UU. E o apresentaria no palco do hotel mais celebrado do mundo. Na cidade mais deslumbrante do planeta. Na qual, eu criaria o Dia do Brasil. Numa Rua chamada Brasil.

The best. Ou tudo ou nada.

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Em 1972, eu arrisquei tudo ao bancar o aluguel do Grand Ball Room do Waldorf Astoria. Espaço ocupado por Reis, Rainhas, Presidentes, Senadores, Magnatas, Celebridades, Debutantes riquíssimas.

Com garra e confiança inquebrantáveis no Brasil dentro de mim, consegui motivar brasileiros (ainda poucos em NY) e despertar interesse novidadeiro em americanos e gente de muitas nacionalidades para O Carnaval do Brasil no Waldorf Astoria: the biggest carnival Ball ouside Brazil.

Jorge Goulart, das Touradas de Madri e muitos sucessos, com quem eu estivera em Moscou, fez o contato. Fechei com Jair pelo telefone. Ja: “Quero levar Clodine, a minha esposa”. Jo “Ok. Aqui faz muito frio. Mas, traga um terno branco”. Ja: “Mas, Jota, terno branco nesse frio?”.

O terno branco.

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Com o piscar psicodélico das strobe light (a sensação do momento). Ladeado por mulatas em tangas made in Brazil. Com purpurina que eu mandei Tânia Mara jogar no terno branco (sem Jair perceber). Ele crescia no palco. Com neve caindo lá fora o terno branco foi o algo mais tropical. E Jair pedia, cantando:

Tristeezaa…por favor vá embora, minha alma que chora”.

E ela foi. Brasileiras ensinavam americanos a “brincar carnaval”. Abraços com lágrimas. Os seguranças amoleceram a rigidez muscular babando nos fio-dental nunca vistos no palco do conservador Waldorf Astoria. Filhos nasceram dos encontros desse Carnaval do Brasil (e de outros). Sou padrinho de uns seis.

Naquela noite poderia ter faturado mais. Porém, pensando no próximo Carnaval do Brasil, mandei fechar a portaria. Em Nova York, as pessoas reagem bem ao serem barradas no baile. Elas voltaram. E me foram fiéis por quinze anos consecutivos.

O Baile do Galo

Em 1983, voltei a levar Jair Rodrigues para abrilhantar o Baile do Galo em homenagem aos mineiros que são a maioria dos brasileiros nos Estados Unidos. Fui a Belo Horizonte com a intenção de trazer craques do time. Entre eles Eder, ponta esquerda da seleção.

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Jair com o maestro Serrinha no Waldorf Astoria.  A paulista Malu organizou as recepcionistas com camisetas do Atlético Mineiro. E o anão Jimmy, um dos meus seguranças, abandonou o trabalho e pulou no palco, alucinado pela tanga made in Brazil.

A cabeça de Jimmy ficava na altura da bunda de Vera. Foi um dos lances mais fotografados da noite. Jimmy acabou contratado para fazer shows. Sua vida mudou para melhor. Todos os anos recebo dele cartão postal com um “Thank you Mr. Alves”.

Com apoio de Maria Elvira do Instituto Newton Paiva fui muito bem recebido pelo Kalil, presidente do Atlético Mineiro. Ele nos regalou camisetas originais do time para as recepcionistas do Carnaval do Brasil. Contratei a Orquestra do Maestro Serrinha. E graças à contagiante brasilidade de Jair Rodrigues o Baile do Galo foi um sucesso estrondoso. Grupos de outras cidades e estados USA viajaram a NY. Mineiros voaram de BH e de Governador Valadares.

Era gente entrando “pelo ladrão”. Ingressos foram falsificados. O meu segurança, Tony Mamufo, da equipe de Silvester Stalone (Rocky/Rambo), prometeu e levou o astro do cinema. Sem apresentação e fotografias. Barry White passou por lá. O colunista Morgan Motta jura que reconheceu Michael Jackson com véu no rosto e boné. Artistas e VIP disputavam um convite especial.

imagesO sorrisoTriste madrugada foi aquela que eu perdi meu violão”.

Triste madrugada foi aquela que o Brasil perdeu Jair Rodrigues.

Cantando. Alegre. Da banda boa do país. Jair Exportação  fez mais pela imagem positiva do Brasil do que todos os políticos e governantes juntos. Somando as Martas Suplicy e os ministros quebra-galho na Cultura e Turismo.

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